Seguidores da Poesia

Uma pessoa deveria, pelo menos todos os dias, ouvir uma pequena canção, ler um bom poema, ver uma bela imagem e, se possível, dizer umas poucas palavras sensatas. (Goethe)

domingo, 6 de novembro de 2011

Pequena elegia chamada domingo



O domingo era uma coisa pequena.
Uma coisa tão pequena
que cabia inteirinha nos teus olhos.
Nas tuas mãos
estavam os montes e os rios
e as nuvens. Mas as rosas,
as rosas estavam na tua boca.

Hoje os montes e os rios
e as nuvens não vêm nas tuas mãos.
(Se ao menos elas viessem
sem montes e sem nuvens
e sem rios...)
O domingo está apenas nos meus olhos
e é grande.
Os montes estão distantes e ocultam
os rios e as nuvens
e as rosas.


Eugénio de Andrade
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domingo, 30 de outubro de 2011

Bucólica


Ser uma árvore
plena de silêncio
ainda que sob os ramos
o pássaro da infância
ressuscite as tardes brancas
a menina e as tranças.


Neide Archanjo

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terça-feira, 20 de setembro de 2011

MINHA GRANDE TERNURA


Minha grande ternura
Pelos passarinhos mortos,
Pelas pequeninas aranhas

Minha grande ternura
Pelas mulheres que foram meninas bonitas
E ficaram mulheres feias;
Pelas mulheres que foram desejáveis
E deixaram de o ser;
Pelas mulheres que me amaram
E que eu não pude amar.

Minha grande ternura
Pelos poemas que
Não consegui realizar.

Minha grande ternura
Pelas amadas que
Envelheceram sem maldade.

Minha grande ternura
Pelas gotas de orvalho que
São o único enfeite
De um túmulo.



Manuel Bandeira
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domingo, 24 de julho de 2011

Mudança



Meu coração fecho com receio
ao desmontar a casa.
De tanta coisa, das minhas coisas
abro mão – nem titubeio.
Do tempo dotado de asa
tomo decisão sob inspeção.
Tranco angústia, emoção,
só não seguro o sono,
razão da caneta na mão.
No papel, o pensamento vaza,
se dispersa de madrugada.

Manhã marcada, uns homens de chegada.
Doutores vasculham antes de,
em poucas horas, tornar vazia
a casa. Intácto só o quintal.
Seus verdes, rosas, romã pendente.
Na sucessão, o trevo, a rodovia,
presente o sopro quente da estiagem.
A ausência dos meus olhos na paisagem,
fez falta não. Tudo sei de cor.


Olga Amorim

terça-feira, 14 de junho de 2011

Para ser grande



Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa
Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Fernando Pessoa

domingo, 29 de maio de 2011

Lua - luar


Escuto leve batida.
Levanto descalça, abro a janela
devagarinho.
Alguém bateu?
É a lua-luar que quer entrar.


Cora Coralina (Meu livro de cordel)

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Bom era caminhar sem dono


Bom era caminhar sem dono
na tarde
com pássaros em torno
e os ventos nas vestes amarelas

Não ter nunca chegada
nunca optar por nada.
Ir andando pequeno sob a chuva
Torto como um pé de maçãs.


Manoel de Barros


Figura: galeria.colorir.com
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terça-feira, 5 de abril de 2011

Colhamos flores



Fernando Pessoa


Exposição sobre a obra do poeta no Centro de Cultura Correios no Rio de Janeiro.
Veja mais AQUI.
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domingo, 20 de março de 2011

É outono


É outono. E é Verlaine... O Velho Outono
Ou o Velho Poeta atira-me à janela
Uma das muitas folhas amarelas
De que ele é o dispersivo dono...

E há uns salgueiros a pender de sono
Sobre um fundo de pálida aquarela.


Mario Quintana

sábado, 12 de março de 2011

... com os pássaros


Sou apenas um caboclo que gosta
de cantar
com as crianças e os pássaros da floresta
gosta de conversar com as estrelas.



Thiago de Mello
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quinta-feira, 3 de março de 2011

A família das rosas



A rosa é uma rosa
E sempre foi uma rosa.
Mas a teoria diz agora
Que a maçã é uma rosa,
E também a pérola e
assim a amora.
Sabe-se lá daqui a uma hora
O que mais vão chamar de uma rosa.
Você, claro, é uma rosa -
Mas você sempre foi uma rosa.


Robert Frost

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Dia de Vento



O vento levanta o meu vestido,
como se tentasse me flertar;
com um sopro másculo incontido,
lambe minhas pernas, atrevido.

Entra em minha blusa enternecido,
e meus seios sabe até eriçar.
Passeia em meu corpo a meu pedido,
tal qual um amor doce e querido.


Rosa Clement

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Poeminha


Sol
Solene
Solou
Dentro de mim
A melodia da vida.


Nilton Maia



Foto de Darci Fortuna - Ceará

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Das pedras



Ajuntei todas as pedras
que vieram sobre mim.
Levantei uma escada muito alta
e no alto subi.
Teci um tapete floreado
e no sonho me perdi.


Cora Coralina (Meu Livro de Cordel)

sábado, 8 de janeiro de 2011

O amor é terno


Meu amor é feijão com arroz,
meu amor é café com pão,
comida de todo o dia.
Boto a toalha limpa
com alguns remendos
e sirvo meu bem
do que tem de mais trivial.
Meu amor é normal.
cachorrinho de rua.



Lena de Jesus Ponte